sexta-feira, 8 de março de 2013

"Tem que ter muito peito pra fazer tanta graça."

Começo a provocar este espaço com o cartaz de divulgação do 11 Festival Internacional de Circo de Bogotá e com um trecho da entrevista de Pepa Plana* à Revista Anjos do Picadeiro 10.





Pepa:eu busco um olhar feminino porque eu não nasci homem. Há um código para homens e outro para mulheres, o que um conhece e outro não conhece: o que se passa na vida de um palhaço ou de uma palhaça são coisas diferentes que são vistas de modo diferente. Agora, cada palhaço é único. O código é também muito pessoal. Para mim, o trabalho é buscar a essência do máximo: o menor. Então o palhaça ou a palhaça é um poeta que, buscando o menor tem que encontrar o maior, o que possibilita uma comunicação não restrita a seu olhar e, aí sim, ele se torna universal. Quando o código é tão pequeno, tão essencial, muitas vezes dominado somente numa linguagem regional, o palhaço vai se referir à tribo, à comunidade, mas se consegue matar uma mosca sentindo todo o mundo, então ele se abre, e nós gostamos dos palhaços, porque os entendemos, porque seus universos são muitos pequenos, mas nos alcançam. Não pequenos na busca, mas pequenos no gesto de matar um mosca e estar denunciando todas as regras. Não temos que colocar no palhaço nome e sobrenome, uma regra de comportamento, um indicador, mas aprender que, matando uma mosca, o palhaço pode denunciar e eu creio que ele tem que denunciar as coisas que o incomodam e, com humor, com riso, pode mudar alguma coisa de lugar. E a graça é que quando se fala de humor, da história dos palhaços, da comicidade, de contadores de histórias, não existem mulheres nesta história. A maioria das mulheres trabalhavam no circo, e diferentemente das mulheres que nasciam com ele, sempre aparecem em cima do trapézio, de uma girafa, de um elefante. Porém, no momento em que aparecem os palhaços, essa porta estava fechada para as mulheres. De modo que, como também se crê, elas cuidavam das crianças, dos filhos, e como alguém que educa poderia fazer rir? Alguns críticos do princípio do século passado sustentam que nós mulheres não servimos para cômicas. Inclusive achavam e diziam que nós mulheres não podíamos ser, não que não teríamos talento. Talvez por sorte, isso mudou nos princípios dos anos 1970 com a família Fratellini, quando alguma cara branca podia também ser cara branca de mulher. Então, a história da comicidade feminina começa a partir dos anos 1970 e, o que é melhor, nós não seguimos modelos masculinos. Não. Mesmo que interprete as estruturas clássicas, a mulher não tem como deixar de ser feminina, a começar pelo corpo. Nós mulheres temos aprendido a rir dos estereótipos masculinos, porque se não ríssemos não teríamos o sentido do humor. Éramos tontas, fazíamos o papel de boba, da escrava e da sedutora, acabou. Três papéis. E no momento que nós mulheres aprendemos a ter humor e que o tenta descobrir que se pode rir com a mulher e não dela, estamos propondo outra parte do jogo. Se a metade da humanidade é composta por mulheres, então podemos apresentar um humor com outra cara. E estou convencida de que as mulheres tem um ponto de vista feminino na maneira de fazer humor e que se pode ser bonito conhecer isso. Se os homens riem com os outros, também podem rir com as mulheres.(...) Não somos iguais, os palhaços têm todas as diferenças. Apenas observando meninos e meninas brincar num parque, se vê como uma menina brinca com sua boneca, como o menino joga ou com um balão ou com uma corda ou com uma bola. Isso tem a ver, em partes, com a educação. Outra parte é da natureza. No que que tem a ver com a educação, é que às mulheres é permitido serem mais fracas. Chorar não tem nenhum problema,por exemplo. Quanto à natureza quando se é pequena se quer estar bonita, igual à mãe ou igual a uma mulher adulta. E ao menino não se permite chorar ou ser fraco. Não como uma menina... Então, o palhaço masculino gosta muito mais de mostrar a parte fraca. Para as mulheres é maravilhoso porque não há necessidade de mostrar sua parte fraca, porém, não temos nenhum pudor em mostrar nossa fragilidade. Quando se cria um grupo de palhaços e palhaças, normalmente a mulher tem que ser muito forte para ocupar o seu espaço. Porque as mulheres deixam espaço para o homem, estamos muito acostumadas a ser excluídas, então deixamos o homem, porque acreditamos que ele saiba mais. Diferentemente dos homens, que representam toda a história do clássico, nós mulheres estamos inventando nossa maneria de fazer rir. E não existem duas mulheres iguais fazendo palhaços. Em um casal, peça ao menino para mostrar como é um palhaço e o estereótipo esta claro nele, a menina tem que inventar um palhaço, porque não tem modelos para ela. Isso faz toda a diferença: nos inventamos para sermos palhaças.

*Pepa Plena - www.pepaplana.com - Espanha
Em 1998, Pepa Plena cria sua própria companhia com a intenção de fazer palhaçaria para um público adulto. Estreou o espetáculo "De Pe a Pa" ma Fira de Teatro de Tàrrega 98 e com o mesmo fez mais de duzentas apresentações em oito meses de temporada. Em 2000 estreia o espetáculo "Giulietta", baseado no clássico Romeu e Julieta, de Shakespeare, com o qual fica em cartaz e faz mais de trezentas apresentações. Foi ganhadora de vários prêmios, boas críticas e uma ótima acolhida do público com as apresentações desses dois espetáculos. Em 2004, pela primeira vez, monta um espetáculo sem palavras: "Hatzàrdia", participando da Fira del Circ Trapezi 04 e na Fira de Teatre de Tàrrega 04. Baseado neste espetáculo criou "L'Atzar", com o qual já fez mais de cem apresentações e esta em turnê internacional. É organizadora do Festival Internacional Pallasses D'Andorra, um festival de mulheres palhaças. 

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Um comentário:

  1. Comentário retirados da antiga postagem no Conexão Palhaço:

    Lun4tika15 de fevereiro de 2013 15:21
    eu gostei muito! sou novata no mundo da palhaçaria, mas concordei com o texto em grau, numero e genero, ehhehehe xD

    quanto mais eu conheço a minha palhacinha interior, mas eu me entendo com a minha "mulher" - sim, pois pra mim, homem e mulher tb são personagens.

    esse desafio, o de buscar o olhar feminino para a palhaçaria é realmente instigante, pois o olhar masculino (man's glaze) é predominante em quase tudo, até mesmo em obras de autoria feminina, olhem só!

    por isso que acho que até os homens podem buscar despertar esse olhar feminino para o seu clown, caso essa tb seja uma questão que lhes seja pertinente! =)

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    Conexão Palhaço18 de fevereiro de 2013 09:00
    Através do Facebook a Contadora de Histórias Vanessa Castro, que esta fazendo um projeto com histórias de mulheres, deixa seu relato sobre esse postagem:

    Meu Deus!!! Basta pensar a coisa se materializa na nossa frente. Li, gostei e ficou alguns fragmentos como 'a essência do máximo: o menor', 'gestos pequenos para alcançar o mundo, que denuncia' - coisas que você me pede nas cenas. E daí vieram as perguntas: Quem educa pode fazer rir?? Mulher pode ser cômica? (digo cômica e não engraçada). É louco isso!!! Temos que aprender a ter humor para inventar maneiras de ser. Ser o que quisermos!!
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    Débora Sanders22 de fevereiro de 2013 12:53
    O bom é que há um universo todo para descobrirmos, já que não temos referências, então vamos começar por nós mesmas! Claro, q a tarefa não é tão simples, pois estar a frente de um público como palhaça e fazer algo totalmente novo é esquisito para ambos os lados!

    Penso que as palhaças vem ganhando espaço nos palcos, assim como as mulheres tbm o fazem na sociedade. Pra mim, a palhaça é o novo, e cabe a nós, mulheres, descobrir e cada vez mais aprofundar no assunto mesmo e não estagnar, ir sempre em busca de uma nova maneira de se fazer e de se ser Palhaça!

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